Contrato de arrendamento rural como forma de cumprimento da função social da terra
Diante da crise econômica evidenciada de forma mais profunda nos países do capitalismo periférico, o contrato de arrendamento rural surge como forma de assegurar o uso adequado e racional da terra, a fim de que se cumpra o comando constitucional contido no artigo 186 da Constituição da República.
No Brasil, em que os custos da produção se apresentam como obstáculo para a aquisição dos insumos necessários ao desenvolvimento da atividade agropecuária, o contrato de arrendamento surge como forma de gerar renda ao proprietário rural (parceiro outorgante ou arrendante do contrato rural) e àquele que busca desenvolver atividade econômica com intenção de lucro, mas que não é titular de domínio sobre o imóvel rural (parceiro outorgado ou arrendatário).
O contrato de arrendamento rural, portanto, possui nítida natureza agrária, sendo regulamentado em legislação especial, como o Estatuto da Terra (lei nº 4.504/64), a lei nº 4.947/66 e o decreto 59.566/66 (art. 1º), que assim estabelece:
Art 1º O arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei
reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o
proprietário, quem detenha a posse ou tenha a livre administração de
um imóvel rural, e aquele que nela exerça qualquer atividade agrícola,
pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista.
Desse modo, o uso temporário da terra por aquele que não dispõe do título de domínio ou do direito de posse sobre o imóvel rural, pode nele trabalhar e produzir dividindo o resultado com o seu proprietário.
A lei permite que o preço do arrendamento seja estipulado em dinheiro ou nos frutos da atividade a ser realizada no imóvel, como leciona Arnaldo Rizzardo:
RIZZARDO, Arnaldo. Direito do agronegócio, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2021, 5ª edição.
A retribuição, que constitui o preço do arrendamento, é ajustado em
quantia fixa de dinheiro, mas permitindo-se a forma de pagamento em
frutos. Não se ajusta preço de arrendamento em quantidade fixa de
frutos ou produtos, ou no seu equivalente em dinheiro.
Logo, o arrendamento se assemelha ao contrato de locação de coisa, “porquanto tem como objeto a cessão de um imóvel em troca de certa retribuição” (RIZZARDO, 2021, p. 348).
De outro lado, o uso do imóvel rural por quem não tem a propriedade baseia-se na posse direta temporária, cujo justo título é o instrumento do contrato de arrendamento. Daí a afirmação, sempre abalizada de Benedito Marques, que “a posse agrária, portanto, se faz indispensável no contexto do cumprimento da função social do imóvel rural” (MARQUES, 2011, p. 45).
O que o autor citado ensina é que a função social da propriedade só pode ser cumprida por aquele que tem a posse direta do imóvel rural pois aquela, de certo modo, não poderia ser cumprida por quem possui apenas indiretamente a coisa, isto é, para o Direito Agrário, somente a posse direta do bem é capaz de proporcionar o cumprimento da função social da propriedade. Nesse sentido:
MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro (COL.) MARQUES, Carla Regina Silva, São Paulo,
É consensual, entre os jusagraristas, o entendimento de que um dos princípios básicos do Direito Agrário é a supremacia da posse sobre o título de propriedade, justamente porque somente com a posse se viabilizam as atividades agrárias, e somente estas dão efetividade ao cumprimento da função social da propriedade. Não é sem propósito que se diz que a posse agrária é sempre direta. Inexiste posse agrária indireta, diferentemente do que ocorre com a posse civil.
Editora Atlas, 2011, 9ª edição revista e ampliada.
Nada mais lógico, portanto, que o proprietário que não disponha de recursos para desenvolver pessoalmente a atividade econômica possa, ao mesmo tempo, garantir receita para si e sua família proporcionando o uso adequado do imóvel rural para o cumprimento da função social da propriedade, princípio fundamental da ordem econômica brasileira.
Nesse passo, é possível afirmar que o contrato de arrendamento rural cumpre o objetivo de tornar adequado e racional a utilização da propriedade rural, tanto que os prazos de execução do objeto contratado devem ser observados rigorosamente, como estabelece a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:
CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL. PRAZO MÍNIMO LEGAL. NORMA
COGENTE. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA. 1. Segundo a jurisprudência mais recente desta Corte Superior, “os prazos mínimos de vigência para os contratos agrários constituem norma cogente e de observância obrigatória, não podendo ser derrogado por convenção das partes contratantes” (REsp 1.455.709/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 5/5/2016, DJe13/5/2016). 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1568933/MS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 28/09/2020, DJe 01/10/2020).
Essa proteção contratual é um imperativo legal diante do interesse da ordem pública que se verifica para além das partes do contrato, já que a produção de bens de consumo de primeira necessidade, como os são os gêneros alimentícios, representa segurança alimentar para a sociedade.